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Barcos Tradicionais José Alberto

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Rua Amadeu Garcês Dornes 2240-611 Dornes

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Coordenadas GPS: N39° 46,204' W8° 16,180'
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O Barco 3 tábuas

“Construtor de Barcos"
O homem é, por natureza, um ser curioso e desde sempre manifestou vontade de descobrir novos lugares e de inventar utensílios, mecanismos ou objetos que facilitassem o seu trabalho, a sua vida quotidiana ou que suprissem as suas necessidades. De tempos longínquos vem a necessidade de criar algo que lhe permitisse percorrer rios e mares, quer fosse com o intuito de os explorar, quer fosse com o fim de aproveitar os seus recursos. Desta necessidade surgiram as embarcações [inicialmente canoas, mais tarde barcos e navios] que foram sendo alvo de várias alterações e melhorias ao longo do tempo, tanto a nível da sua estrutura e capacidade como da utilização de novas matérias-primas. Estas construções têm em comum a capacidade de flutuar e de se deslocarem sobre a água com o auxílio de remos, velas ou motores de diversos tipos.
Devido à escassez de infraestruturas terrestres (estradas e veículos), os barcos ocupavam um lugar primordial no transporte de pessoas e mercadorias entre as margens dos rios. Face a esta necessidade foram concebidos barcos específicos para cada região, com características adequadas ao tipo de rio existente e tendo em conta as diferentes utilidades. No território banhado pelo rio Zêzere que é atualmente delimitado pela albufeira do Castelo do Bode, o barco tradicional era o "barco de três tábuas".
Registos iconográficos antigos evidenciam que o barco de três tábuas já existia antes da construção da barragem do Castelo do Bode, sendo um meio de transporte extremamente valioso para as populações que habitavam as orlas do Zêzere, na zona abrangida pela atual albufeira. Era utilizado para as deslocações de pessoas entre as margens do rio e para o transporte de mercadorias e bens. Com a edificação da barragem, os acessos rodoviários junto ao rio ficaram submersos, o que fez com que o barco de três tábuas conservasse a sua importância como meio de transporte.
Hoje o barco de três tabuas perdeu essa função mas ainda é utilizado quer na pesca, quer como barco de passeio. O seu nome advém das três tábuas com que é constituído (uma para fazer de fundo e duas para as laterais) e que são pregadas com cerca de duzentos e cinquenta pregos. As técnicas básicas utilizadas presentemente para o fabrico destes barcos continuam a ser as mesmas que eram usadas nos seus primórdios.
A construção do barco tem início depois da escolha e corte a preceito da madeira, que, regra geral, é de pinho. A primeira fase consiste na construção do "nado" ou fundo do barco. Nesta fase há que fazer o alinhamento das tábuas, a marcação do local exato onde irão ser colocadas as travessas e a marcação do local a cavilhar. De seguida, faz se a marcação do “chanfro” na madeira, por forma a desenhar a proa do barco. Quando estes barcos começaram a ser construídos, o "chanfro" só era feito depois de as travessas estarem pregadas.  Hoje em dia, com a utilização de serras elétricas, o "chanfro” é feito antes de se pregarem as travessas. Outra inovação prende-se com a utilização de cola entre as tábuas: estas eram unidas utilizando apenas as cavilhas, mas na atualidade coloca-se também cola, funcionando esta como um reforço na união das madeiras. A utilização de cola nas tábuas do "nado" do barco obriga a que, nesta etapa, se coloque também a estopa, produto derivado do linho cuja função é garantir a estanquicidade das juntas da madeira e reforçar a função de calafetagem do barco, processo este que antigamente era levado a cabo na fase final da construção. Procede-se depois ao corte do "chanfro”, ficando desta forma criada a proa. No passado, o corte da madeira para construção da proa era feito com o auxílio do machado e da enxó, mas nos dias que correm esse processo foi agilizado com a utilização de serras mecânicas. De seguida, são preparadas as travessas, geralmente em número de seis ou sete, que são cortadas tendo em conta a largura do barco. As da frente ficam com o formato da proa, sendo portanto mais pequenas que as restantes. As travessas são trabalhadas com a enxó e fixas, ao fundo do barco, com pregos feitos de forma artesanal por um ferreiro.
Terminado o “nado”, dá-se início à construção das “costaneiras”, as partes laterais do barco. As “costaneiras” devem ser talhadas e, à semelhança das tábuas do “nado”, devem ser cortadas numa das suas extremidades de modo a fazer o “chanfro” para adquirirem a forma da proa.
A etapa seguinte é a do “dobramento do barco”. Nesta etapa faz-se uma pequena fogueira e colocam-se as tábuas sobre o fogo, mantendo uma distância segura para que não se incendeiem. O objetivo é que as tábuas aqueçam e comecem a vergar e a moldar, sem se partirem. Para isso, é necessário colocar serapilheiras molhadas por cima das tábuas que começam a vergar. O choque de temperatura ajuda a madeira a dobrar mas mantém-na macia, impedindo que fique muito seca e parta. Este processo pode demorar entre três a cinco horas e não pode ser interrompido. Logo que se inicia o dobramento, pregam-se as tábuas das costaneiras ao nado pelo lado da proa. À medida que a madeira vai dobrando, vai-se pregando o barco em toda a volta até ficar com todas as partes unidas, alcançando desta forma a sua configuração final. Concluído a “dobramento”, principia-se a fase de construção da "retaguarda” ou “ré”. No concelho de Ferreira do Zêzere, a retaguarda do barco é denominada "cueira”. Depois de talhada a tábua da retaguarda, esta vai ser pregada ao "nado" e às “costaneiras”, levando estopa nas juntas. À tábua da retaguarda vai ser pregada a “cabaleira”, uma tábua de menores dimensões que reforça a estrutura e que pode servir de apoio a um motor.
Finalizada a construção de toda a estrutura do barco (“nado", "costaneiras” e "cueira”), começa-se a fase de incorporação dos pormenores. A primeira etapa é a construção do banco principal, onde se sentam os remadores. A segunda etapa consiste na colocação de um "argolão" na proa do barco, que vai servir para o prender ou segurar quando se encontra na margem. Na terceira etapa conclui-se a proa, fechando-a com tábuas (normalmente sobejos das "costaneiras”). Segue-se o "cadernamento", fase em que se colocam no interior do barco quatro “cadernas”. As "cadernas” são reforços estruturais feitos em ferro (nos tempos antigos eram em madeira) que prendem as "costaneiras” e o "nado” com o fim de reforçar a sua união. Depois disto, procede-se à construção e montagem das partes onde vão trabalhar os remos. Primeiramente colocam-se as "chamas”, peças em ferro que são pregadas ao barco, seguindo-se as "chumaceiras”, construídas em madeira e dotadas de um orifício para encaixarem nas "chamas”. As "chumaceiras" vão servir de base ao "cágado” que por sua vez é pregado aos remos. É esta peça que lhes serve de base e suporte e que permite que estes sejam manobrados livremente e sem resistência. O “cágado” sujeito a grande desgaste, é feito a partir de uma madeira mais resistente como a da oliveira.
A fase final é a da colocação do pez no barco. Esta é uma etapa importantíssima uma vez que são o pez e a estopa que providenciam a calafetagem do barco. A estopa deve ser colocada em todas as juntas do barco e, de seguida, é colocado o pez previamente aquecido. O pez é uma substância resinosa do pinheiro e de outras árvores pináceas. É aplicado com o auxílio de um utensílio denominado de "boneca". O pez deve ainda ser aplicado no fundo do barco (parte que fica em contacto com a água) para uma maior impermeabilização.”

José Alberto - O Construtor de barcos"
José Alberto nasceu a 20 de fevereiro de 1959. O seu pai, resineiro de profissão, dedicou-se à construção de barcos de três tábuas a partir dos sessenta e cinco anos de idade, transmitindo ao filho os conhecimentos que adquiriu nesta arte. José Alberto entregou-se-lhe a tempo inteiro aos trinta e um anos e é, neste momento, a única pessoa na área da albufeira do Castelo do Bode a desempenhá-la.

A experiência de José Alberto baseia-se na vivência comunitária do lugar de Dornes, onde vive e tem oficina. É, pois, a partir de relatos que ouviu de quem conheceu outros tempos que José Alberto pode contar que, antes da criação da albufeira, apesar do rio ser estreito, «em Dornes havia um açude com três metros de alto», o que ampliava determinados troços do rio e fazia com que este fosse «bastante navegável». 0s barcos de três tábuas eram então imprescindíveis, sendo «tudo passado de barco de um lado para o outro: os animais, o estrume, a resina, a azeitona, o milho, em suma, tudo o que produzia a agricultura, e a madeira de pinho. As passagens do lado de Ferreira do Zêzere para a zona de Cernache do Bonjardim e da Sertã também eram feitas em travessias de barco. O barco servia para tudo e para a pesca também, claro».

Nessa época, estes barcos eram construídos por carpinteiros em casa das pessoas que os encomendavam ou à beira do rio. José Alberto recorda que «quem queria um barco e não tinha um pinheiro adequado, fazia a chamada "reserva do pinheiro" e depois falava a serradores que iam aos sítios abrir a madeira. De seguida, falava aos carpinteiros que iam fazer o barco a casa de quem o encomendava. Os barcos eram depois carregados às costas por quatro homens e levados para o rio. Arranjavam-se duas trancas de eucalipto, colocavam-se amarradas ao barco e levavam o barco ao ombro». Hoje o procedimento é diferente. Os barcos são todos feitos por José Alberto na sua oficina. Já os materiais essenciais à construção dos barcos continuam a ser os mesmos: a madeira, o pez, a estopa e os pregos. O pinho é a madeira preferencial e a mais utilizada; no entanto, também se podem usar outras, como o contraplacado marítimo ou a madeira de kambala. No que concerne à espessura da madeira, as tábuas do fundo devem ter três centímetros e as laterais pouco mais de dois centímetros. Quanto ao comprimento do barco, os dois tamanhos mais solicitados a José Alberto são os barcos que, depois de talhados, ficam com 4,20 metros ou 5,20 metros de comprimento. A maior parte das ferramentas empregadas permanecem as mesmas dos tempos iniciais, com exceção das serras e berbequins elétricos. Na sua oficina, José Alberto faz uso de instrumentos tais como plainas, serras manuais martelos, machados, maços, arcos de pua, enxós, calafetadores, goivas, compassos e sutas. Para a construção de um barco de três tábuas, precisa, em média, de trinta e cinco a quarenta horas de trabalho. Se os seus proprietários lhe prestarem os devidos cuidados e revisões, um barco de três tábuas pode durar cerca de dez anos.

No presente, o barco de três tábuas é basicamente utilizado na pesca e para fins recreativos, tendo perdido a hegemonia que teve outrora. «O melhor período de construção de barcos foi de 1996 a 2007/2008, mas de 2009 para cá o negócio está fraco», afirma José Alberto. Este decréscimo na procura e encomenda dos barcos de três tábuas prende-se não só com a desertificação das aldeias ribeirinhas, como Dornes, mas também com o aparecimento de barcos construídos em materiais mais sofisticados.

José Alberto não tem aprendizes, algo que lhe parece difícil de encontrar devido ao número cada vez mais reduzido de jovens em Dornes e nas localidades em redor. Admite que a construção do barco de três tábuas mais cedo ou mais tarde vai acabar, porque «dantes diziam que havia quem quisesse barcos mas não havia quem os fizesse, nem havia pinheiros; a mim parece-me que agora há pinheiros e há quem faça barcos mas não há quem as compre». De qualquer forma, José Alberto encontra-se disponível para ensinar quem estiver interessado nesta arte. «Quem quiser pode aparecer, que eu ensino-lhe este ofício sem qualquer problema», assevera”


BIBLIOGRAFIA

SALGUEIRO, Cátia; SOUSA, José Afonso; TAVARES, Rute; “Construtor de Barcos”. In Artes e Ofícios tradicionais do concelho de Ferreira do Zêzere, 1ª Edição: Fundação Maria Dias Ferreira e Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere, 2017. ISBN: 978-989-998-1-3, 121-125págs.


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